sábado, 4 de janeiro de 2014

Gharqad, a "árvore dos judeus"

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De acordo com a tradição islâmica, essa será a única árvore que não "delatará" os judeus para seus algozes muçulmanos


 A hora do julgamento não chegará até que os muçulmanos combatam os judeus e terminem por mata-los, e mesmo que os judeus se abriguem atrás de árvores e pedras, cada árvore e cada pedra gritará: “Oh, muçulmanos! Oh, servos de Alá, há um judeu atrás de mim, venha e mate-o”.
-- Hadith 6985 (Kitab Al-Fitan wa Ashrat As-Sa`ah)


Muitas vezes traduzido como "tradição", Hadith (plural em árabe: Ahadith) relata os ditos e atos de Maomé e é considerado uma  ferramenta extremamente importante para a compreensão do Corão e em matéria de jurisprudência. Os Hadiths, que eram transmitidos oralmente, foram avaliados e reunidos em grandes coleções nos dois séculos que se seguiram após a morte do profeta muçulmano. Estas obras são referidas em matéria de lei islâmica e história até hoje, apesar de não haver um consenso entre os diferentes grupos religiosos maometanos -- como sunitas, xiitas e ibadis -- que acreditam em diferentes coleções de Hadiths.

O Hadith do topo é muito citado por teólogos e líderes religiosos sunitas e muito popular entre seus seguidores -- estando, inclusive, no Estatuto do Hamas, em seu artigo 7º:

Art. 7º Em todos os países do mundo encontram-se muçulmanos que seguem o caminho do Movimento de Resistência Islâmica, e tudo fazem para apoiá-lo, adotando seu  posicionamento e reforçando a sua Guerra Santa (jihad). Por isso, é um Movimento universal, qualificado para esse papel devido à clareza de sua ideologia, superioridade de seus fins e sublimidade de seus objetivos. Nessas bases é que deve ser visto e avaliado, e é nessas bases que seu papel deve ser reconhecido.
(…)
o Movimento de Resistência Islâmica aspira concretizar a promessa de Alá, não importando quanto tempo levará. O Profeta, que as bênçãos e a paz de Alá recaiam sobre ele, disse: “A hora do julgamento não chegará até que os muçulmanos combatam os judeus e terminem por mata-los e mesmo que os judeus se abriguem atrás de árvores e pedras, cada árvore e cada pedra gritará: “Oh, Muçulmanos! Oh, Servos de Alá, há um judeu atrás de mim, venha e mate-o”.


No entanto há aqueles mais moderados, que discordam da forma como este Hadith é entendido pelo Hamas e pela esmagadora maioria dos líderes religiosos e fiéis muçulmanos. Estes afirmam que o texto está descrevendo um evento milagroso específico que ocorrerá perto do fim dos tempos. Ou seja, na opinião destes, uma decisão judicial não poderia ser derivada dali, pois o que há no texto é uma descrição, não uma prescrição. Para os que defendem essa tese o massacre de judeus com a colaboração de árvores e pedras também ocorrerá, mas não desde já...

Outros trazem suratas que falam sobre coexistência e tolerância. O grande problema é que, ao contrário de outras religiões que se baseiam em textos sagrados, o Islã faz uso da doutrina da revogação, na qual os pronunciamentos mais recentes de Maomé tornam nulos e sem efeito os seus ditos mais antigos. Quatro versos do Corão reconhecem ou justificam a revogação:   

 Surata 2:106 - "a vaca"

 مَا نَنْسَخْ مِنْ آيَةٍ أَوْ نُنْسِهَا نَأْتِ بِخَيْرٍ مِنْهَا أَوْ مِثْلِهَا ۗ أَلَمْ تَعْلَمْ أَنَّ اللَّهَ عَلَىٰ كُلِّ شَيْءٍ قَدِيرٌ
Quando cancelamos uma mensagem, ou a jogamos no esquecimento, nós a substituimos por uma melhor ou uma similar. Você não sabe que Deus tem poder sobre todas as coisas?


Surata 13:39 - "o trovão"

يَمْحُو اللَّهُ مَا يَشَاءُ وَيُثْبِتُ ۖ وَعِنْدَهُ أُمُّ الْكِتَابِ                  

Deus anula ou confirma tudo o que quiser, pois ele tem com ele o Livro dos Livros.



Surata 16:101 - "as abelhas"

وَإِذَا بَدَّلْنَا آيَةً مَكَانَ آيَةٍ ۙ وَاللَّهُ أَعْلَمُ بِمَا يُنَزِّلُ قَالُوا إِنَّمَا أَنْتَ مُفْتَرٍ ۚ بَلْ أَكْثَرُهُمْ لَا يَعْلَمُونَ
Quando substituimos uma mensagem com os outras, e Deus sabe melhor o que ele revela, eles dizem: Você inventou isso. No entanto, a maioria deles não entende.


Surata 17:86 - "A viagem noturna"

وَلَئِنْ شِئْنَا لَنَذْهَبَنَّ بِالَّذِي أَوْحَيْنَا إِلَيْكَ ثُمَّ لَا تَجِدُ لَكَ بِهِ عَلَيْنَا وَكِيلًا


Se quiséssemos, poderíamos tirar o que temos revelado a você. Então você não vai encontrar ninguém para interceder em teu nome diante de nós.


Ao invés de explicar as inconsistências em passagens que regulam a comunidade muçulmana, os juristas simplesmente reconhecem as diferenças e aceitam  que os versículos mais novos anulam os anteriores. 
A maioria dos estudiosos divide o Corão em versos revelados por Maomé em Meca, quando sua comunidade de seguidores era fraca e mais inclinada a concessões -- e quando ele ainda tinha a esperança de ser um novo profeta para judeus e cristãos --, e aqueles revelados em Medina, quando Maomé comandava uma força considerável e já tinha sido rejeitado por crentes de outras religiões. E é aí que mora o problema: os versos mais pacíficos e tolerantes são, em sua grande maioria mais antigos, e, portanto, revogados pelos mais novos -- e também mais violentos e mais intolerantes.   

Voltando ao hadith do topo, vemos o atual mufti (o mais alto cargo para um líder religioso) de Jerusalém usando o mesmo trecho para incitar os muçulmanos a atacar judeus:


O video começa com um moderador que apresenta o mufti no evento Fatah (do "moderado" Mahmoud Abbas). Ele lembra de outra crença islâmica logo nos primeiros segundos: que os judeus são descendentes de porcos e macacos.

 Nossa guerra com os descendentes dos macacos e porcos (os judeus) é uma guerra de religião e fé."

O mufti, além de não se distanciar desta declaração, acrescentou outra: que o objetivo do Islã é matar judeus.

Existem inúmeras coleções de hadiths, algumas das quais não são aceitas como confiáveis. No entanto, o mufti salientou que a crença de que os judeus serão mortos pelos muçulmanos como uma precondição para ressurreição é uma autêntica crença islâmica, porque esse hadith aparece na coleção al-Bukhari, que é considerada verdadeira e confiável. E essa não foi a primeira vez que o mufti se meteu em encrenca. Em outro discurso público ele afirmou que "os judeus são inimigos de Alá"...

Após críticas de líderes americanos o mufti da Autoridade Palestina tentou se explicar. Em um primeiro momento, disse que o discurso não foi uma "incitação à matança de judeus. Nós não podemos mudar os escritos religiosos históricos e nós não queremos mudá-los. No entanto, estamos falando agora sobre a realidade. A realidade é que queremos alcançar uma paz justa". Depois afirmou que seu pronunciamento foi maliciosamente editado.

Como resposta, a ONG que tinha publicado apenas um trecho do discurso resolveu não só exibir o discurso na íntegra como ainda respondeu as alegações do líder religioso:

 As declarações das duas mais altas autoridades religiosas da Autoridade Palestina são deturpações do que o mufti disse. Na verdade, as palavras que ele escolheu para fornecer um contexto mostram que ele citou este hadith que antecipa muçulmanos matando judeus para torná-lo [o Hadith] relevante para o conflito árabe-israelense atual.
 O mufti introduziu o hadith referindo-se aos "47 anos" do Fatah e da "revolução" palestina, desta forma colocando o hadith no contexto de hoje. Em seguida, ele acrescentou que este é um "hadith confiável" das coleções verdadeiras e de confiança, e parte da lei/crença islâmica aceita. Depois de citar o hadith, o mufti afirmou que os israelenses estão plantando a "árvore Gharqad em Israel e em torno dos assentamentos e colônias", sugerindo que Israel está se preparando para o momento em que os muçulmanos cumprirão este hadith vindo para matá-los. De acordo com a tradição islâmica a árvore Gharqad será a única árvore que não chamará os muçulmanos para matar os judeus que estarão se escondendo atrás dela. Ao dizer que israelenses já estão plantando estas árvores em torno de suas cidades, o mufti estava relacionando explicitamente o hadith sobre o assassinato de judeus com o atual momento. Ele não estava apenas citando "escritos religiosos históricos", como alegou.
Esse é o moderado mufti do moderado Fatah.

E o que pensam os árabes sobre isso? De acordo com uma pesquisa realizada nos territórios controlados pela Autoridade Palestina e em Gaza, 73% dos participantes  concordam com este hadith genocida. Outros 80% concordam com o artigo 15º contido no estatuto do Hamas, que defende a jihad e o uso de atentados suicidas. Outros 72% afirmam apoiar a negação de qualquer vínculo histórico dos judeus com a cidade de Jerusalém, e 6 em cada 10 são contra a existência de um estado judaico, não importando suas fronteiras...

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