sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Judéia e Samaria: Os assentamentos israelenses são mesmo ilegais? Eles violam a Convenção de Genebra?



Esse mito é um dos mais difundidos na mídia por ser uma das principais cartadas políticas da Autoridade Palestina. É uma mentira tão amplamente aceita que raramente é discutida em quaisquer círculos.

Os dois argumentos legais usados contra os assentamentos baseiam-se em duas convenções internacionais, as Convenções de Haia, de 1899 e 1907, e a Quarta Convenção de Genebra de 1949.

A violação da primeira é menos citada e mais simples de refutar. Estabelecidos em 1899 e 1907 como um primeiro esforço formal no estabelecimento das leis de guerra, os artigos das Convenções de Haia que lidam com a situação de refugiados e terras ocupadas foram claramente voltados para ocupações breves e em situações até então conhecidas em conflitos, visando proteger os interesses dos soberanos das regiões ocupadas.

Logo após a vitória devastadora da Guerra dos Seis Dias, governo e população israelense acreditavam que o mundo árabe aceitaria negociações e acordos de paz em troca das terras capturadas. Nunca perdendo uma oportunidade de perder uma oportunidade, os líderes árabes reuniram-se na notória Conferência de Cartum e estabeleceram os três princípios que regulariam as ações do pós-guerra: não fazer a paz com Israel, não reconhecer Israel, não negociar com Israel. O país ficou em uma posição curiosa e talvez única ao longo da história, disposto a retornar as terras conquistadas em troca de paz, mas sem ninguém interessado em receber.

Diante dos "três nãos" do mundo árabe, a situação claramente se perpetuaria por vários anos. A ligação histórica com Jerusalem levou à construção de vários bairros e a unificação com o lado ocidental da cidade, dentro das fronteiras israelenses. Terras na Cisjordânia, Sinai e principalmente o Golan receberam diversos assentamentos por razões estratégicas, históricas e religiosas. O Sinai acabou sendo retornado ao Egito depois do acordo de paz feito pelo presidente Anwar Sadat, que pagou com a própria vida por romper o acordo com os outros líderes árabes ao ser assassinado pela Jihad Islâmica.


A inadequação e obsolescência das Convenções de Haia quanto a questão é patente. Mesmo sem ser signatário, Israel reconhece a autoridade e em vários aspectos é um dos poucos países em conflito que respeita vários artigos frequentemente deprezados. Por exemplo, o estabelecimento da administração militar na Cisjordânia torna Israel um dos poucos países de acordo com as convenções. Até o estabelecimento da Autoridade Palestina, Israel continuou seguindo as leis jordanianas de acordo com o artigo 43, mesmo com a Jordânia tendo ocupado ilegalmente a região em 1948.

O argumento frequentemente usado é o artigo 46, que proíbe o ocupante de confiscar propriedades privadas. O argumento é simplesmente falso, já que a maioria dos assentamentos são estabelecidos em áreas públicas municipais. Propriedades privadas podem ser requisitadas para uso estratégico mediante compensação, mas desde 1979 a Suprema Corte de Israel determinou que autoridades militares não podem requisitar terras particulares para estabelecer assentamentos civis. Vale a pena notar que uma das bases de tal decisão são as Convenções de Genebra, que explicarei mais adiante.

Apesar de legal, o estabelecimento de assentamentos em áreas públicas pode não ser justo por problemas legais envolvendo a posse das terras. Em um post anterior elucidei a questão da posse privada e pública de terras desde o mandato britânico. Em alguns casos pode não haver a possibilidade de comprovar a posse legítima das terras, que pode remontar ao regime praticamente feudal do Império Otomano, tampouco o pagamento de impostos que legitimaria o uso de terras públicas. Esses casos costumam gerar mais controvérsia, mas são de difícil solução legal. Um dos maiores assentamentos judaicos foi estabelecido em terras nessas condições, a cidade de Ma'ale Adumin.

Um detalhe raramente mencionado é que uma pequena parte das terras requisitadas para fins militares são propriedade particular de judeus, e têm preferência em alguns casos justamente pela menor dificuldade dos trâmites legais.


As complicações legais inerentes a questão da posse de terras faz com que o argumento mais utilizado contra os assentamentos seja mesmo o artigo 49 da 4° Convenção de Genebra, especificamente os parágrafos 1 e 6:

"As transferências forçadas, em massa ou individuais, bem como as deportações de pessoas protegidas do território ocupado para o da Potência ocupante ou para o de qualquer outro país, ocupado ou não, são proibidas, qualquer que seja o motivo.

"A Potência ocupante não poderá proceder à deportação ou à transferência de uma parte da sua própria população civil para o território por ela ocupado. 


Geralmente os argumentos assumem que a validade legal do artigo à questão dos assentamentos seja tão cristalina que não exija quaisquer explicações, o que está longe de ser o caso. Tais artigos foram estabelecidos logo após a segunda-guerra, determinando claramente que a transferência forçada é ilegal, tendo em mente os atos praticados pela Alemanha Nazista, como a transferência da população judaica para campos de extermínio e trabalhos forçados na Polônia, a evacuação da população alemã para países escandinavos diante da invasão soviética, etc.

O grande problema é que os assentamentos judaicos em Israel não são uma transferência forçada, pelo contrário, são movimentos voluntários. Vários assentamentos foram estabelecidos sem permissão, em condições ilegais, acabando reconhecidos posteriormente em decisões judiciais ou atos políticos que consideraram as questões de posse de terras mencionadas acima. Muitos desses assentamentos são justamente de famílias judaicas que viviam na Cisjordânia e foram expulsas ou perseguidas pela população árabe antes da independência de Israel e esperavam um retorno.

A cidade de Hebron é um excelente exemplo. Em 1929 o massacre incitado pelo Mufti de Jerusalém à população judaica da cidade levou os sobreviventes a fugirem de suas propriedades. Após a independência de Israel, muitos retornaram. Até hoje sobreviventes e descendentes vivem divididos quanto a retornar, e uma minoria estabelecida necessita de constante proteção militar, que gera mais violência dos dois lados.

Placas como essa estão presentes em diversos pontos da cidade de Hebron. Elas marcam terras que foram compradas por judeus, em 1807, e tomadas pelos árabes em 1929, depois que eles massacraram a população judaica da cidade

Uma ironia interessante é que o parágrafo 6 do artigo 49 foi proposto justamente por um judeu dinamarquês diante da situação dos cidadãos alemães que em 1948 ainda estavam em campos de concentração escandinavos aguardando deportação para a Alemanha. Sabendo que os soviéticos atacariam a população civil o governo nazista tentou evacuar a população do leste do país antes da invasão. Com os danos à infra-estrutura de transportes essa população foi deixada em outros países, em vários casos expulsando a população local.

O artigo aplica-se claramente a vários casos de transferência forçada de populações desde a Segunda Guerra Mundial. A emigração forçada da Rússia para os Balcãs promovida pela União Soviética, da China para o Tibet, do Marrocos para o Sahara Ocidental, etc. Nenhum desses casos é denunciado com base no mesmo artigo usado para atacar Israel.

A insistência nesse argumento é um exemplo claro do anti-semitismo velado de muitas críticas a Israel, simples de demonstrar. Se um árabe-israelense cuja família seja nativa do Iraque ou qualquer outro país desejar se mudar voluntariamente para qualquer parte da Cisjordânia, Faixa de Gaza ou Golan, absolutamente ninguém no mundo alegará que ação é ilegal. Se um judeu descendente da população judaica expulsa dessas regiões entre 1929 e 1948 deseja retornar à terra de seus pais e faz o mesmo, a ação será denunciada como ilegal.

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